"Fica bem", "Se cuida" e "tenha uma boa vida" e o significa real do "não se envolver".

(Eu não deveria estar escrevendo isso. E esse deveria ser o meu mantra sobre esses assuntos: Eu não deveria gastar tanto tempo e energia com essas questões. Mas eu sou teimosa). 


Há um tempo atrás eu me deparei com uma dessas frases num "término" pelo facebook. Ouvir uma frase dessas me doeu bastante por diversos motivos: pegou no orgulho, no fim de um rolê para o qual eu não estava preparada, no aparência de que para aquele Outro a quem eu tinha me doado tanto era assim tão fácil me descartar da sua vida. Fiquei pensando como seria quando assim, de repente, aquela pessoa não tivesse mais nenhuma notícia minha, nenhum contato meu - a gente realmente sumisse um do outro. Ou um da vida do outro."Se cuida" é uma frase, em geral, muito qualquer coisa: Pode ter um milhões de significações atribuídas tanto por quem fala quanto por quem ouve, e pode não significar absolutamente nada. Esvaziada, em geral, de qualquer intenção sentimental, me fez questionar, primeiro, porque alguém suporia que até aquele momento a gente (ou eu, no caso) não estava se cuidando. Quer dizer, se a primeira coisa que passa na cabeça da pessoa é de "aconselhar" a se cuidar - que tipo de imagem a pessoa tem de você, né?

Construir relacionamentos é uma coisa complicada. Os primeiros encontros, o primeiro envolvimento determina, em geral, se vamos escolher (e se seremos escolhidos) a aprofundar a relação com aquela pessoa - e isso em todos os níveis de relação possíveis de existirem. Num geral, quando decidimos "investir" (por falta de palavra melhor) naquele "rolê", somos movidos pela curiosidade em relação à pessoa, pelo interesse no que ela tem a dizer e em como ela enxerga o mundo, nas manias dela, na companhia, no sexo, na risada, no beijo, no carinho, nas ideias e opiniões, enfim, uma série de coisas que levamos em conta quando escolhemos (ou não) nos envolver com alguém - e aprofundar esse envolvimento. 

A partir daí, construímos, tijolo por tijolo, toda uma relação. A construção, pra mim, tem que pressupor necessariamente algumas coisas, quase como a fundação da relação. Me parece que a sinceridade e a possibilidade de se discutir os sentimentos e percepções tem que ter espaço A  TODO e QUALQUER MOMENTO. E eu sei que isso em geral não é muito bem quisto, principalmente quando se é uma mulher numa relação afetivo-amorosa com um homem, porque num geral em prol da "racionalidade masculina" a ideia do "exagero feminino" da conversação/problematização é um fantasma permanente nas relações. Em segundo lugar (mas não hierarquicamente) o famoso "amor próprio" - o saber ser feliz e se reconhecer como um sujeito com limites e sentimentos também é fundamental. E é às duras penas que a gente vai entendendo porque. Dito isso, essa é a forma que eu tenho procurado me relacionar. Isso não me impede de me apaixonar, de doar mais de mim do que o outro está doando, de cometer exageros. Em geral, em se tratando de "relações humanas" já diria uma amiga minha como conclusão de um texto acadêmico aí "elas são muito complexas".

Refazendo alguns caminhos que já trilhei eu reconheço que em alguns momentos me faltou um elemento importante, que a gente chama de vários nomes mas que convém, em geral, nomear de "amor próprio". Acho que, de certa forma, é a base para o famoso "se cuida"; Se doar à uma relação é uma escolha pessoal nossa - de certa forma um investimento, porém jamais no sentido mercadológico - Bem, eu não tenho problemas com relações onde se consome sexo puramente, por exemplo, mas quando eu falo de construir relações afetivo-amorosas eu estou pensando em outra coisa. Assim, para se envolver com uma pessoa a gente precisa ter uma base pessoal, subjetiva. Precisa ter um Eu que se coloca, que se reconhece enquanto sujeito na relação. Não estou dizendo que ao Eu (ou ao Outro) não é permitido mudar - a mudança de certa forma faz parte de todo nosso processo de vida de crescimento, de aprendizado. 

O que eu quero dizer é que se não nos colocamos como sujeitos na relação acabamos, por diversas vezes, nos aniquilando seja em nome do Outro, seja em nome da relação - que acaba se tornando, por diversas vezes, unilateral - ou até mesmo um fardo: mais momentos de angústia e frustração do que coisas boas. Em relações assimétricas em se tratando de gênero, essa tarefa é muito mais difícil. Se o diálogo não é valorizado, se conversar é superestimado, se o Outro se coloca de forma distante ou mesmo "superior", enfim, diante das diversas formas que essa assimetria pode se apresentar, nós aparecemos como seres vulneráveis, sentimentais demais (ainda que as entregas e intensidades possam variar de pessoa pra pessoa) enfim, seres que precisam de cuidado. Dessa noção surge, consequentemente, essa frase de final de relacionamento, "se cuida" é quase um: Tenha o cuidado de não ser vulnerável demais, já que eu não pude cuidar de você e você obviamente precisa de cuidados. Só que isso parece não levar em conta que a gente poderia estar sim, se cuidando, o que não afetava a forma como nos entregamos numa relação. Ou quanto desejamos construí-la. "Se cuida" apaga nossa agência. "Se cuida" parece não levar em consideração que por mais que a gente se cuide sim (as vezes cometemos deslizes de não nos cuidar, mas num geral as pessoas conseguem ter esse discernimento, se colocar e etc) se machucar em envolvimentos amorosos e afetivos é tão corriqueiro como se apaixonar, como fazer cocô ou atravessar uma rua - e acontece, olha só, com todo mundo! 

A gente se machuca, não importa o quão preparados estamos, o quão racional somos - o quão nos bem cuidamos. Algumas pessoas mais, outras menos, mas a gente se machuca. E se machucar faz parte, como todas as outras partes, de aprender e se desenvolver como indivíduos. O que parece que está colocado aqui - e mais ainda no "tenha uma boa vida" é o egoísmo do Outro em se achar o dono da sua própria vida, espírito independente e "livre" e, porque não, superior ao Eu com quem ele se relacionava. A sensação que eu fiquei, refletindo sobre isso tudo, era mesmo a da profunda assimetria dessa relação, e a percepção de que a entrega realmente não é (o que é muito triste) por inteira. Essa (falsa) noção da liberdade em apagar alguém da sua vida, em esnobar, em cortar bruscamente alguém, em tratar a pessoa mal, em descartá-la - me parece enraizada numa noção mesquinha de individualismo. Uma noção puramente egoísta e uma falsa percepção do que é ser livre, portanto. Ainda, como filosofei com uma amiga - a demonstração da existência da "tríplice do E": egoísmo, egocentrismo e egolatrismo. 

Com isso eu não quero dizer que é impossível às pessoas serem felizes sozinhas. Eu acho que saber viver só, saber entender a solidão não como algo horroroso, mas como algo importante, saber conhecer e viver bem consigo mesmo é fundamental e indispensável para que possamos construir relações mais saudáveis e honestas. Ao mesmo tempo, não acho que são todas as pessoas com que nos envolvemos que precisamos/desenvolvemos relações afetivas-amorosas. As vezes a gente investe, sai com alguém e até é legal, transa e é mais ou menos e as duas pessoas não se dão bem. Bom, aí a vida segue (e deveria seguir mesmo, sem arrependimentos - coisa difícil já que existem opressões no mundo. Ou ainda com a aceitação tranquila de que há pessoas e pessoas: pessoas que são substituíveis no nível da vida, pessoas que só passam e pessoas que são sim indispensáveis) e a vida seguindo nos abre caminhos para ir conhecendo mais pessoas: tentando, aprendendo de cada uma - enfim. As relações humanas são muito complexas, rs. 

"Tenha uma boa vida" ou "Se cuida" é uma falta de respeito. É a falsa percepção de que se está sendo "superior" ao não se envolver e, portanto, uma inferiorização da outra pessoa que construía aquela relação. Oras, todo mundo se envolve. Um envolvimento pode se desenrolar, se DESENVOLVER, acabar ou continuar - mas todo mundo está (mais ou menos) envolvido. Envolvido consigo mesmo, primeiro, mas envolvido com outras pessoas o tempo todo e das mais diferentes formas. Se envolver é uma condição pra se relacionar com as pessoas e a gente vai escolhendo, a partir do que somos e do que queremos - com quem a gente quer que esse envolvimento se desenvolva. Simples assim. Essas frases de "efeito" só mascaram não apenas o fim (porque as vezes ele é iminente mesmo, impossível de não ser anunciado) mas os sentimentos por detrás disso - do Eu e do Outro - as percepções daquela relação, enfim, e não menos importante, o tanto de respeito que aquele Outro sente por você. 

É uma pena, eu concluí, que alguém diga isso para a outra pessoa diante de um rompimento. É uma pena porque, num geral, significa uma falta de respeito e carinho pela pessoa - respeito que deveria ser uma das coisas mínimas naquela relação. É uma apena porque transforma o Eu (eu) num sujeito sem ação, sem pensamento, sem sentimento. E é uma pena, no fim, porque demonstra mais daquele Outro a quem nos doamos tanto, por tanto tempo ou com tanta intensidade - mais do que gostaríamos de ver - porque de repente a gente percebe que talvez aquilo não valesse essa pena. 

Uma amiga me disse uma coisa muito importante hoje: "Julia, o que eu acho mais inacreditável nessa história é a facilidade com que algumas pessoas tem em simplesmente não gastar energia com isso. Quer dizer, eu acho que pra ele está sendo muito fácil lidar com tudo isso, porque ele simplesmente não está lidando. A pessoa decide deixar aquilo de lado, simplesmente não se preocupar com aquilo, porque aquilo não tem tanta importância assim, enquanto a gente fica se desgastando com isso". Eu concordei. Acho que num geral ele sequer pensa nessas questões (talvez por naturalização mesmo do egoísmo, talvez porque ele realmente não se importe... Vai saber). E concordar com isso me deixou frustrada. 

Por fim, ela me perguntou: por que será que você gosta tanto dessa pessoa?". Eu não soube responder. Eu realmente não sei porque. Esse é um dos mistérios ~sobre o amor~ que eu ainda não me propus a pensar. Quando eu paro pra refletir eu percebo que realmente não faz sentido esse sentimento. Eu sei que passa. Eu sei que uma hora acaba ou, pelo menos, se transforma. Eu não preciso daquela pessoa pra viver - eu não dependo dela. Eu acho que num geral as vezes essa percepção nos escapa e escapa ao Outro também, e a gente não pode deixar isso acontecer. Nesse caso eu SEI que não é isso: eu tenho completa certeza que eu não preciso dele. Eu escolhi/ eu QUIS de alguma forma criar uma relação com ele - mas eu não posso obrigá-lo a ter uma relação comigo. Eu não posso controlar e construir uma relação apenas com o que eu quero. Eu quis, mas num caso desses um único querer não é suficiente, precisa pelo menos dois. E a escolha dele, ainda que sem a sinceridade das palavras, foi demonstrada abertamente na sinceridade dos "atos", das "falas", das entrelinhas. E talvez, sobre isso, eu realmente não tenha "direito" de me decepcionar: não é possível que sempre sintamos coisas correspondidas pelas pessoas. Assim como às vezes não é suficiente que exista só amor entre as pessoas. O problema é a falta da sinceridade, a falta de se discutir a partir das verdades (que, de novo, não são todas imutáveis - mas é preciso que se parta delas). Para nós, pessoas do "overthinking", nesses casos cabe "ler" o Outro: as vezes a pessoa, sem perceber o que está falando - a ela também custa bastante admitir certas coisas, nas entrelinhas já nos da o recado. E é realmente doloroso receber esse recado. Só que necessário.

A vida segue, ela precisa seguir. Afinal, ela é um sopro. Insustentável leveza. Sendo a vida uma só, essa aqui, não é possível que ela pare por frustrações e decepções afetivo-amorosas com pessoas. E eu realmente acho que as pessoas importam - elas são importante para nós, elas são necessárias. Elas são, de certa forma, tudo na nossa vida. Mas a vida também é. E nós também somos, nós mesmos, tudo na nossa vida. Essa parte também é, por incrível que pareça, bastante dolorosa. 

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