saudade.
"Já sentiu saudade?" - O velho pergunta inconformado.
"É claro que já..." - Ela responde, olhando desconfiada pro senhor.
"Ah, basteira, cê nunca deve ter sentido saudade como eu sinto".
"Bom, tinha as vezes em que meus pais saiam e eu ficava com meus avós, com minha 'babá' e, quando eles demoravam pra voltar, eu começava a ficar incomodada..."
"Ué, incômodo não é saudade... Incomodada com o que?"
Ela parou um tempo, refletindo, e respondeu: "Bom, eu ficava incomodada com o fato de eles não chegarem logo, não atenderem seus telefones, não dizerem aonde estavam... E ficava incomodada porque eles não estavam comigo e ai meu coração ficava apertado e eu queria chorar mas não chorava, porque não queria que pensassem que eu era manteiga derretida...Logo, meu incômodo era saudade". Olhou pra ele apreensiva, vencera no argumento.
O Velho refletiu, por sua vez, durante um tempo maior... Era muito velho, mesmo. Se apoiava em uma bengala, tinha roupas antigas, vestia um chapéu. E rugas, milhões e inúmeras rugas. E os olhos, apontados para baixo. Singulares.
"Você tem razão. Mas já sentiu tanta saudade que, mesmo com a idéia de parecer uma manteiga derretida, não conseguiu segurar as lágrimas? Que o desespero e a vontade de ver a pessoa a que se tem saudade invade seu corpo e seu estado de espírito de tal forma que você não pode mais pensar em nada?"
O velho a encarou, seu rosto duro e os olhos brilhando. A água dançando neles.
"Bom... Eu sinto saudade muitas vezes, de muitas coisas diferentes" Começou a moça, devagar. "Sinto saudade de amigos que moram longe, sinto saudade de tempos que não voltam, coisas que foram tão divertidas e que eu queria que se repetissem, mas não se repetem... Acho que eu nunca senti uma coisa tão forte como o senhor, mas isso não quer dizer que minhas saudades foram menores ou menos intensas que as suas... Assim, cada um demonstra ela de um jeito, age de um jeito..."
Ele sorriu. E logo depois uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Trocou a bengala de mão e apoiou a mão livre na mão da menina "É, suas saudades nem de longe foram menores que as minhas... Mas hoje, particularmente falando, estou sentindo uma saudade tão violenta no meu peito que meus olhos já desistiram de lutar com as lágrimas e eu sinto até vontade de soluçar. Meu nariz escorreu, enxuguei. Meus olhos estão pequenos, Meu nariz está vermelho e, acredito que o pior de tudo é o que eu estou sentindo aqui" e apontou para o peito. "Sinto vazio, vazio imenso. Me parece que algo foi arrancado, brutalmente... Fico contando as horas pra poder recuperar isso. Fui jogar damas com os amigos e não pude me concentrar. Fui fazer natação no clube e não pude continuar. Fui ver um filme no cinema e só me senti pior. Você me entende? Pode pensar que sou exagerado, até eu penso assim, mas o amor chega num pico, com determinadas pessoas e em determinadas histórias, que eu não tenho vergonha de assumir que esse pedaço do meu peito arrancado de mim é o espaço físico que existe entre eu e minha mulher... A única coisa que desejo a todo momento é vê-la porque ai eu poderia sorrir de novo. Só estou sorrindo porque falo dela, do que eu sinto e como eu me sinto. Sua ausência acaba que me transformando em velho mais velho de todos os velhos..."
A moça, emocionada, tentou dizer:
"Sinto muito... Sua mulher, há quanto tempo ela se foi?" Apertou forte a mão do senhor.
Ao que ele começou a gargalhar e as lágrimas voltaram a escorrer com destreza pelo seu rosto
"Não, minha jovem... Minha mulher foi viajar com o clube do tricô à Paris! Amanhã ela está de volta, e é por isso que estou aqui nessa rodoviária. Acabei me adiantando um dia, foi ai que percebi que a saudade é quem está controlando meus movimentos. Imagina só, oito dias e eu já estou assim" e voltou a sorrir, enxugando uma lágrima que ia até a ponta do queixo. Fez força e levantou-se. Virou pra moça e disse "Obrigado por me ouvir, amanhã eu volto e tudo isso vai ter passado... É, filha, acho que isso é amor de verdade..."
A moça sorriu e se despediu do velho senhor, pensando: Uma viagem à Paris...
"É claro que já..." - Ela responde, olhando desconfiada pro senhor.
"Ah, basteira, cê nunca deve ter sentido saudade como eu sinto".
"Bom, tinha as vezes em que meus pais saiam e eu ficava com meus avós, com minha 'babá' e, quando eles demoravam pra voltar, eu começava a ficar incomodada..."
"Ué, incômodo não é saudade... Incomodada com o que?"
Ela parou um tempo, refletindo, e respondeu: "Bom, eu ficava incomodada com o fato de eles não chegarem logo, não atenderem seus telefones, não dizerem aonde estavam... E ficava incomodada porque eles não estavam comigo e ai meu coração ficava apertado e eu queria chorar mas não chorava, porque não queria que pensassem que eu era manteiga derretida...Logo, meu incômodo era saudade". Olhou pra ele apreensiva, vencera no argumento.
O Velho refletiu, por sua vez, durante um tempo maior... Era muito velho, mesmo. Se apoiava em uma bengala, tinha roupas antigas, vestia um chapéu. E rugas, milhões e inúmeras rugas. E os olhos, apontados para baixo. Singulares.
"Você tem razão. Mas já sentiu tanta saudade que, mesmo com a idéia de parecer uma manteiga derretida, não conseguiu segurar as lágrimas? Que o desespero e a vontade de ver a pessoa a que se tem saudade invade seu corpo e seu estado de espírito de tal forma que você não pode mais pensar em nada?"
O velho a encarou, seu rosto duro e os olhos brilhando. A água dançando neles.
"Bom... Eu sinto saudade muitas vezes, de muitas coisas diferentes" Começou a moça, devagar. "Sinto saudade de amigos que moram longe, sinto saudade de tempos que não voltam, coisas que foram tão divertidas e que eu queria que se repetissem, mas não se repetem... Acho que eu nunca senti uma coisa tão forte como o senhor, mas isso não quer dizer que minhas saudades foram menores ou menos intensas que as suas... Assim, cada um demonstra ela de um jeito, age de um jeito..."
Ele sorriu. E logo depois uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Trocou a bengala de mão e apoiou a mão livre na mão da menina "É, suas saudades nem de longe foram menores que as minhas... Mas hoje, particularmente falando, estou sentindo uma saudade tão violenta no meu peito que meus olhos já desistiram de lutar com as lágrimas e eu sinto até vontade de soluçar. Meu nariz escorreu, enxuguei. Meus olhos estão pequenos, Meu nariz está vermelho e, acredito que o pior de tudo é o que eu estou sentindo aqui" e apontou para o peito. "Sinto vazio, vazio imenso. Me parece que algo foi arrancado, brutalmente... Fico contando as horas pra poder recuperar isso. Fui jogar damas com os amigos e não pude me concentrar. Fui fazer natação no clube e não pude continuar. Fui ver um filme no cinema e só me senti pior. Você me entende? Pode pensar que sou exagerado, até eu penso assim, mas o amor chega num pico, com determinadas pessoas e em determinadas histórias, que eu não tenho vergonha de assumir que esse pedaço do meu peito arrancado de mim é o espaço físico que existe entre eu e minha mulher... A única coisa que desejo a todo momento é vê-la porque ai eu poderia sorrir de novo. Só estou sorrindo porque falo dela, do que eu sinto e como eu me sinto. Sua ausência acaba que me transformando em velho mais velho de todos os velhos..."
A moça, emocionada, tentou dizer:
"Sinto muito... Sua mulher, há quanto tempo ela se foi?" Apertou forte a mão do senhor.
Ao que ele começou a gargalhar e as lágrimas voltaram a escorrer com destreza pelo seu rosto
"Não, minha jovem... Minha mulher foi viajar com o clube do tricô à Paris! Amanhã ela está de volta, e é por isso que estou aqui nessa rodoviária. Acabei me adiantando um dia, foi ai que percebi que a saudade é quem está controlando meus movimentos. Imagina só, oito dias e eu já estou assim" e voltou a sorrir, enxugando uma lágrima que ia até a ponta do queixo. Fez força e levantou-se. Virou pra moça e disse "Obrigado por me ouvir, amanhã eu volto e tudo isso vai ter passado... É, filha, acho que isso é amor de verdade..."
A moça sorriu e se despediu do velho senhor, pensando: Uma viagem à Paris...