"I'll do it all everything, on my own I don't need anything, or anyon".
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Havia aquele buraco e, por ele. me entrava ar. Ao redor de mim tudo permanecia parado, extremamente denso, inflexível. A única maneira de escapar daquela constante falta de ar, daquela pressão que começava a tomar cada pequeno pedaço do corpo era atravessando aquele buraco. E uma certeza: fora dele as coisas seriam melhores. Tinham que ser. Me aproximei, mas pude perceber que, de fato, era um buraco muito pequeno. Eu jamais conseguiria atravessá-lo. Não havia nada em minhas mãos, nenhum instrumento, nenhuma maneira de fazê-lo aumentar... Ao me aproximar pude ver, lá fora, uma constante movimentação ... não sabia exatamente de que, mas era como se as coisas ali pudessem realmente funcionar, enquanto eu permanecia inerte, do lado de dentro - ou de fora, daquele buraco.
Eu queria fazer parte, eu precisava fazer parte. Eu não poderia mais suportar estar ali, não mais agora quando eu havia experimentado uma pequena noção das coisas do outro lado. Eu tinha que atravessar aquele buraco. E fui, primeiro a cabeça e uma força a mais, percebi que não iria passar. Os ombros estavam presos. Era menor do que eu imaginava, muito menor.
Tentei gritar, chamar... tentei imitar os sons que eu ouvi - não podia ver muito bem. Havia pessoas, andando, dançando. E carros, céu, árvores... Observei, por um tempo, e percebi que não importa o quanto eu tentasse, era como se elas não fossem capazes de enxergar o buraco - ou a cabeça nele. Vez ou outra parecia que alguém notava e começava a se aproximar, mas isso assustava um pouco e, rapidamente, eu me encolhia de volta pro meu lado.
Sentada, derrotada, percebi que jamais conseguiria atravessar aquele pequeno espaço. Era preciso aumentá-lo. Coloquei minhas mãos nas bordas e comecei a empurrar, tentando alargá-lo. Mas então percebi que aquilo era extremamente doloroso e que minhas mãos não podiam suportar o tempo necessário para aumentá-lo... Era preciso haver outro jeito. Eu não podia ficar presa ali, pra sempre, imersa e imobilizada num tempo parado, numa espécie de não-vida onde tudo que me vinha ao pensamento era sempre todas aquelas coisas com que eu não queria, mas parecia precisar, me preocupar, me machucar... Ali, eu já havia percebido, o pensamento também doía. Todos os medos, temores, preocupações, defeitos... tudo ali cortava, machucava profundamente. Tudo ali eram armas, de todos os tipos, como pequenos fragmentos de vidro que permanecem escondidos embaixo da pele quando pisamos num copo quebrado... Ali tudo precisava ser extraído da maneira mais profunda possível - e essa é a maneira mais dolorosa também.
De repente percebi que essa era, na verdade, a única maneira possível de se alargar aquele buraco. De permitir que aquele ar entrasse e pudesse me puxar para fora dali. Mas junto, a angústia de perceber que jamais seria possível fazer aquilo. Para todas as coisas que doem, quando estamos a sós com nós mesmos, procuramos sempre virar as costas. Não falamos sobre isso, tendo medo de admitir que estamos tendo problema em nos gerir... A dor da rejeição, do coração partido, da perda ... essas dores, de certa forma, podemos e conseguimos contornar - ou simplesmente fazê-las cicatrizar a ponto de incomodar poucas vezes... Mas aquela dor de encarar o mundo, de escancarar medos, feridas, fragmentos do vidro que cultivamos por falta de opção, aquela dor era impossível não sentir, e eu sabia disso. Mas também sabia que era a única maneira de transformar um buraco em uma possibilidade de se erguer, de se mover...
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