Sobra tanta falta
Nunca perdi alguém próximo, até sexta. Até acordar com o telefone tocando, com o nome da pessoa marcado na tela, às 08:00 da manhã, pouco convencional - e ouvir a voz de outra pessoa, entrecortada. E entender que algumas notícias não tem volta por mais que desejemos assim acima de tudo.
O que é difícil? Talvez o fato de que aquela pessoa que era, que existia, não existe mais... Acho que não processei ainda, fico pensando que poderia passar na casa dele para dar um oi, jogar uma conversa fora, reclamar que não consigo fazer nada porque não sou boa o suficiente e ouvir que a juventude jamais, em hipótese alguma, pode ser pessimista. Receber uma ligação no meio da semana reclamando que eu não o visito mais, que faz tempo que eu não ligo... "Oi, menina"...
Sempre pensei, intimamente, qual seria essa sensação. É como se existisse um cansaço muito grande, em cima dos ombros, e como se ao mesmo tempo existe um vazio no tempo e no espaço. É como se o vazio doesse, e ele dói. Não é só a dor da perda, que por si só é bem devastadora. É a dor da ausência que vai ficar pra sempre... A falta que aquela pessoa vai fazer, principalmente nas coisas que ela fazia tão bem. A falta em ser uma referência, a falta em dar tantos conselhos, a falta dos puxões de orelha, a falta da mão estendida, a falta do carinho acolhedor e do exemplo, a falta dos ouvidos sempre ávidos pelas ultimas notícias, a falta do diálogo... A falta que ela vai fazer em ser um grande suporte, um apoio. O buraco de existência que se deixa, quando se vai... pra onde, José?
É como se existisse também um medo desse vazio que fica. Se as pessoas morrem, e essa é a única certeza absoluta das nossas vidas, porque será que não conseguimos nunca, em nenhuma época, em nenhum momento da história, aprender a lidar com essa perda? Porque a morte é tão dolorosa? Porque a existência é tão brutalmente cortada quando perdemos alguém? Porque alguém existe num dia e no outro não existe mais? Porque alguém, que estava internado há tanto tempo, tem de repente uma melhora, nos enche de alegria esperança, nos faz respirar aliviados sem medo do perigo que passou e parte, subitamente, assim numa ligação às 08:00 da manhã em que nos comunicam, alguém, que aquela pessoa deixou de existir, já não é mais nada que não lembranças e infinitas notas de solidariedade e pesar... Porque, entre tantas as coisas que sentimos no mundo, a morte precisa doer tanto?
Estive pensando que deveria ter sido mais. A última vez que fui visitar Edmundo segurei sua mão bem forte, passei a mão nos seus cabelos e o escutei dizendo que sentia a pior dor do mundo. Eu prometi que ele ia ficar bem, prometi que logo iria pra casa e que aquilo ia ficar para trás. Também contei que havia voltado a militar na nossa organização - e percebi que não poderia ter deixado-o mais orgulhoso, principalmente quando comentou comigo suas preocupações e quando percebemos que tinhamos muitas em comum e que eu me importava. Me importava com isso, com ele, com aqueles problemas, e que eu faria o possível para vencê-los. Ele dividiu comigo uma preocupação que me cortou o coração: não queria que o tivesse conhecido naquele estado, já velho e cheio de limitações para militar. Não fazia sentido, na minha cabeça eu conhecia uma pessoa maravilhosa, um exemplo de luta, um amigo cheio de energia e simplesmente brilhante. E queria falar isso pra ele, queria com todas as forças que ele soubesse que, do fundo do meu coração, todos os momentos em que estivemos juntos aprendi infinitas coisas e não sei se consegui e isso, de certa forma, machuca. É o vazio, é a incerteza que jamais vai ter solução. É o talvez não tenha dito o suficiente, ou demonstrado... Ou devia ter conseguido ir visitá-lo de novo, a despedida não existe. A partida vem como uma bomba, vem do nada, talvez aguda...
“Afinal, existem tantas coisas frágeis. Pessoas se despedaçam tão facilmente, sonhos e corações também”.