Antes de se apaixonar por alguém, como vai o seu amor próprio?

Esses dias eu li um texto quase que com esse título (fiz uma livre adaptação com o meu título, inclusive) um texto que me fez refletir sobre muitas coisas relacionadas ao machismo que vivemos, respiramos e crescemos.

Como é normal pra gente, em uma conversa entre amigas, dizermos a seguinte frase: "que droga, acho que estou apaixonada(me apaixonando) por ele". É quase que inevitável, como se uma força gigantesca de outro mundo nos puxasse para o "abismo da paixão", aquele lugar cheio de ambiguidades, imundo e repleto de sofrimento que todo mundo, todo mundo já deve ter experimentado pelo menos uma vez na vida. "Estar apaixonado é um saco" eu diria. "Detesto essa sensação de que estou valorizando outra pessoa que não está nem ai pra mim" - fazemos as nossas coisas e de repente estamos pensando na outra pessoa. Ficamos ansiosas, esperando momentos de demonstrações mínimas de carinho e reciprocidade. Nos organizamos em torno disso. Pois bem, o quanto disso realmente faz sentido?
Sempre tento repetir para mim mesma uma espécie de mantra, algo que supostamente me traria para a "realidade": "vamos racionalizar esse sentimento", seguido de coisas como: por que você acha que está apaixonada? O que você vê nessa pessoa? O que ela te acrescenta? Por que ela merece essa atenção toda de você? O problema é que tentar racionalizar por esse lado não parecia surtir muito efeito, já que a resposta que nos acompanha desde que somos crianças é algo como: o amor é mesmo uma coisa irracional. Pois bem, eis que decidi refletir por outro caminho.
Acho que eu posso soar clichê, mas essa teoria me apareceu como uma revelação bastante interessante para eu entender alguns "problemas afetivos" que eu poderia ter. Eu, feminista revolucionária e de esquerda (pasmem!) sou apaixonada por comédias românticas. RÁ, sim. Filmes tipo "a nova cinderela" ou "cartas para Julieta" "amizade colorida" e por ai vai. Meu coração se derrete ao extremo e eu sempre fico pensando em situações de amor como as desses filmes, amores progressivos, amores que só crescem, que se perdoam não importa o quê. Aliás, é uma receita perfeita para se criar qualquer mulher "passiva": a maioria das personagens femininas desses filmes tem uma auto estima bastante lixo mas encantam seus(suas)parceiros(as) com suas "verdadeiras qualidades" - elas são um desastre em todos os sentidos, mas aparece alguém que as QUER exatamente como elas são, que se apaixona pelos detalhes (o tamanho do olho, o formato da boca, o jeito que ela fala uma palavrão, a paixão com que faz alguma coisa, o fato dela ser desastrada, enfim, exemplos não faltam). Num geral essas minas dos filmes não se valorizam NADA. São tímidas, desastradas, desiludidas com a vida, cheias de enroscos e andam olhando pra baixo. Bom, pelo menos eu ando, rs.
Aí é que reside meu perigo: as minas não se gostam. No máximo elas aceitam sua existência de forma passiva, levando uma vida de fugas da humilhação - inclusive da humilhação que aquela mina popular da escola que é bonita pra caralho faz ela passar (o que é bizarro, porque além de fortalecer bizarramente a disputa entre nós, minas, no fim das contas apresenta a mina popular fodona como alguém que tem algum problema pessoal e veste uma "carcaça" pra se proteger. Enfim, é incrível, não existe mina foda, mina que se ama e se respeita por SI SÓ).
Dai eu pensei: essa mina da comédia romântica sou eu - e provavelmente quase todas as mulheres que eu conheço. Oras, não é a toa. A gente cresce brincando de boneca, assistindo filmes da disney, novela da globo, filmes de Hollywood - e por mais clichê que isso possa parecer, esse meio cultural faz TODA diferença na formação do nosso caráter, da nossa conduta, de como pensamos o futuro e a vida, como planejamos, como vemos as pessoas ao nosso redor e, no meu caso, os homens. O tempo todo em que eu me envolvia com alguém eu pensava: "será que ele é a pessoa certa pra mim? será que eu encontrei alguém que me completa, que vai ser meu grande amor?". Basicamente, o tempo todo, eu tendia(tendo) a me preocupar se aquela pessoa poderia ser "A pessoa", transferindo as expectativas de felicidade e realizações para um outro que, nossa, está MUITO além de mim!
Bom, a prova final disso foi um desses filmes de romance que eu assisti que começam lindo, com um casal apaixonado e um pedido de casamento (e eu nunca realmente quis casar, hein) até que o cara surta (típico dos omi, vamo combinar) e da um fora na mina, que fica arrasada. Ai ela pega um melhor amigo (que é afim dela faz tempo), pega o ex (quem nunca?) e começa a ficar perdidinha na vida - até que ela faz várias besteiras (quem nunca 2?) e no fim do filme o ex volta se rastejando, o melhor amigo sai de campo e ela decide, adivinha o que? FICAR SOZINHA!
É óbvio que eu fiquei de cara. Fiquei pensando "como assim ela vai ficar  sozinha? Olha o ex ai, esse lindo maravilhoso e que tá apaixonado voltando pra ela e ela vai ficar sozinha? não é possível". Pois é, e eu achando que era feminista, rs (brincadeira, super acho possível ser feminista e se relacionar com um homem). Enfim, qual meu ponto, no fim das contas? Em relação ao filme, é meio óbvio. Até o jeito que eu descrevi ele: os momentos em que a personagem faz as coisas sozinhas, ela está, a nosso ver, "perdida". E depois, quando ela visualiza toda sua vida até ali (o quadro todo) e percebe que ela estava cometendo um erro, ela toma uma decisão. E eu julguei que foi a decisão errada, a decisão dela ficar SOZINHA! Olha como isso é absurdo! A personagem se desenvolve progressivamente, vai se descobrindo, percebendo as coisas que curte fazer, cometendo umas loucuras, enfim, e descobre que precisa de um tempo para investir em... SI MESMA! E eu, mulher julgadora da sociedade machista (sim, sim!) a condenei pela sua decisão "nããããããão, não faz isso. Fica com ele". Oras, mas por quê ficar com ele? Assim, sério mesmo, no fim das contas que raios esse cara acrescentava pra ela do ponto de vista afetivo de um relacionamento? É, complicado....
Esses dias conversando com uma amiga sobre nossas aventuras do amor tive uma emoção criadora (um brainstorm): será que nossa sede afetiva insaciável e procuras inúteis (horas no tinder, encontros e mais encontros, paqueras, chavecos, incertezas) não é na verdade um mecanismo de defesa bem íntimo do medo que é ficarmos cara a cara com nós mesmas? Será que essa sensação de vazio que por vezes domina nosso peito bruscamente e que a gente não consegue compreender não é, na verdade, um chamado para que olhemos para nós mesmas por um momento? Será que não faria MUITO mais sentido eu terminar de ler aquele livro que eu adoro, acho um máximo a ir num encontro qualquer com uma pessoa qualquer fazer um sexo qualquer e sentir, provisoriamente, que alguma coisa foi preenchida?
Esses dias reparei em uma coisa que aconteceu que, de certa forma, só "reforça" toda essa minha teoria: quando combinei de sair com um cara por mensagem de celular e ele me disse "certo, estou indo pra lá então, nos encontramos", CINCO MINUTOS DEPOIS (sério, foi muito rápido) recaiu sobre mim um arrependimento mortal. Era um sentimento surreal, eu realmente NÃO QUERIA ir. Me arrumei, olhei no espelho e pensei: queria continuar assistindo aquele documentário de ontem. Queria comer brigadeiro. Queria ler meu livro e terminar ele logo. Só não queria sair com alguém hoje. Bom, nesse dia eu inventei uma desculpa, mandei mensagem dizendo que estava passando mal. Se a pessoa for minimamente inteligente ela sabe quando é uma desculpa (eu super acho que há coisas nas formas como nos relacionamos que são tão óbvias...) e isso me fez pensar em todas as vezes que eu dei uma desculpa (e olha, foram váááááárias!) ou todas as vezes que eu me forcei a ir em determinado lugar e até transei com a pessoa (também foram várias) e não senti ABSOLUTAMENTE NADA de novo, ou seja, não me agregou NADA. E isso é tipo com 90% dos homens com quem eu me relaciono! Quer dizer, temos um problema ai....
É quase que uma busca, uma missão bizarra de preencher um vazio que sou eu, com outra pessoa ou outra coisa que simplesmente não cabe em mim - e não vai caber nunca, porque o problema não é a outra pessoa, o problema sou eu! Mas opa, calma. Isso de ser o problema não é no sentido de "tem alguma coisa errada comigo, eu sou emocionalmente debilitada" ou "eu sou ciumenta, possessiva blablabla". Não, não. O problema sou eu porque eu não me relaciono comigo mesma! Porque eu não me dou um tempo para aprender a gostar de mim mesma, para me fortalecer, para fazer coisas que me agradam e que me bastam por si só. Tipo, um exemplo: ir ao cinema sozinha. É, parece um exemplo tosco. Mas eu realmente adoro ir ao cinema sozinha e não vou porque fico pensando o quanto isso é triste e solitário aos olhos dos outros, é quase como um "eu PRECISO que alguém vá ao cinema comigo" e que, no fundo, é uma mentira, porque não, eu NÃO preciso. E a lista só aumenta. Então, o problema não é que eu não me ajusto à sociedade ou que eu sou exatamente a personagem da comédia romântica, o patinho feio. O problema é o esperar ser salvo por alguém e apagar de você mesma um possível protagonismo...
Isso quer dizer que eu tenho danos permanentes afetivos? Que eu não posso me envolver afetivamente? Bom, duvido (ainda que eu reconheça que tenho alguns "danos", rs, mas quem não tem teto de vidro...). Eu acho que isso quer dizer que existe um problema de prioridade muito grande aqui - em decorrência de um aprendizado sistematizado desde lá os 02 anos de idade: a gente aprende que nós, mulheres, nunca vamos nos bastar. Aprendemos que precisamos de alguém, uma paixão, um amor, alguém que nos respeita, que nos ama como nós somos. Ai, se a gente precisar se submeter a situações constrangedoras para isso, fazer sexo meio sem vontade, se enturmar, abrir mão de alguns ideais, silenciar, sair para lugares que não gostamos, enfim, se precisarmos fazer o que for preciso para encontrar esse OUTRO amor, a gente faz. Mas e como anda o nosso amor por nós mesmas? Como anda nosso SE GOSTAR? Ter respeito por nosso limites, por nossas vontades, estar bem com nós mesmas, fortalecidas?
Quando eu pensei sobre isso eu disse em voz alta "talvez essa pira de querer ficar com todo mundo seja, na verdade, uma pira de não querermos enfrentar nós mesmas, com todas as nóias, medos, dúvidas que possamos ter. Com toda aquela pira de decidirmos nossa vida, fazermos o que queremos fazer...". Acho que essa é uma questão: quando estamos fazendo algo para nós mesmas por prazer nosso e quando nos submetemos a situações várias procurando alguma coisa que a gente nem sabe o que é?
Bom, definitivamente não é fácil iniciar essa pequena transformação no nosso modo de agir. Mas, pensando sobre isso, qual seria o nosso mantra, então? "Antes de se dizer apaixonada por alguém, como vai o seu amor próprio?".

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