Por que escrevo?
Escrevo porque busco nas palavras, incessantemente, escrever
também meu significado. Procuro uma forma de, letra após letra, preencher um
vazio, encontrar uma tradução para algum sentimento impossível de saber.
Consigo defini-lo apenas pelo que ele não é – e talvez consiga chegar às suas
margens, mas não consigo ultrapassar. Não consigo arrancar esse sentimento de
dentro, tentar um reconhecimento do que ele é e, enfim, como derrotá-lo. É uma
não possibilidade de felicidade – é a sombra de um fim eminente, de um fim que
vai chegar – e que pode, inclusive, chegar a qualquer momento. É um buraco no
estômago. Uma bolha de ar gelado ou concreto que transita pelo peito as vezes,
exatamente no meio. Uma mão que da um nó nesse peito, que impede por alguns
segundos que a gente respire. Procuro pelos livros por alguma resposta, algo
que coloque nos trilhos de novo uma vida que contemple amor(es), sexo, ter
prazer em escrever um trabalho – sentir felicidade em ir trabalhar, voltar a
ver aquelas entrelinhas – a beleza nos detalhes.
Escrevo em busca de que essas palavras possam ser muletas e
me ajudar a levantar – me colocar diante do espelho procurando encarar esse
amontoado de células que eu me tornei – alguém que não se importa com o corpo,
com os próprios cuidados – alguém que não se sente bem assim, que de repente se
deixou levar pelas ansiedades, que perdeu aquele tesão, aquela alegria de viver
bem, estar bem, se sentir bem – porque já não faz sentido. Pra que elas se
transformem nos saltos recuperando a altura que eu perdi, reerguendo. Eu penso:
eu preciso disso. Eu desejo isso com todo o meu coração ou, o que quer que seja
esse pedaço de carne no peito que sangra, porque divido da mesma angústia de
Saramago – sangra todos os dias. Um aperto insuportável todos os dias, uma
tijolada na cabeça.
Procuro que cada palavra seja o oxigênio que me falta no dia
a dia, aquele oxigênio dos alguns segundos onde a gente “esquece” de respirar.
Ou o despertar de algum desligamento que permitimos a mente fazer, também por
poucos segundos, mas onde passam mais questionamentos do que poderíamos
imaginar: é aquele momento em que se fita profundamente os trilhos do metrô, a
rodovia cheia de carros, um prédio bem alto, um penhasco – um impulso
insuportável ao abaixo. Ao que tem embaixo.
Por fim, esperando que palavras sejam a cola para aqueles
momentos não sobrou nada com sentido, nada faz sentido, nada tem sentido.
Aqueles momentos em que nossa percepção do mundo rompe nos permitindo ver as
coisas mais bizarras sobre ele – e a gente se pergunta:Por quê? Pra quê? Qual o
sentido? Aquele momento cuja linha que delimita a passagem pra ele é tão
efêmera, tão facilmente atravessada... Aquele adesivo que insiste em descolar,
não importa o quando você aperte ele – e que essas palavras sejam isso, o
impulso pra que as coisas tenham, sim, sentido. O retorno ao terreno onde a
gente vive, não importa o que ou pra quê, porque é assim que as coisas são – e é
assim que se vive, no limite, no máximo atribuindo mais algum dos mais variados
significados: sexo, futebol, religião...
E a gente volta a viver? É possível, você se pergunta insistentemente
todos os dias para você mesma, é possível voltar a viver? É necessário? Você
tem uma resposta em mente, você quer responder da melhor forma possível. É possível
voltar a viver? Você quer voltar a viver? O que te faz querer viver? Eu não sei
o que responder para essas perguntas. Eu não sei.