Sobre duas rodas e um monte de contradições

Em 03 de janeiro, presenteada com a lua cheia mais bonita que já vi na minha vida, em uma praia de vilarejo no norte do Uruguai (Vallizas), dei início a uma jornada absolutamente inédita dentre todas as experiências que já me propus ter: uma viagem de bicicleta por dois países diferentes, com poucos recursos financeiros e materiais e com um companheiro novato de relação (em meados de janeiro fizemos 04 meses de namoro). O momento, para algumas pessoas, não era o mais favorável para a dita jornada. É que eu ando (e andava) muito frágil e, de fato, por diversas vezes antes da viagem começar eu havia pensado em desistir. Aliás, esse pensamento de desistência seria um dos meus principais inimigos durante toda a viagem. É que constantemente, diante de uma adversidade ou uma fraquejada, eu cogitava seriamente abandonar a viagem - os planos e a relação - pegar minhas coisas e vir embora para casa. Resisti a essa ideia, reunindo forças junto à minha mãe, ao meu companheiro que me incentivava a continuar e a mim mesma que, quando me punha a refletir sobre isso, concluía que abandonar um projeto desses não deveria nem ser levado em consideração. Não se abandona o que você mesmo se propôs a fazer ou, em outras palavras, é importante chegar até o final do que foi planejado.



A loucura é que no fim das contas eu percebi que o meu psicológico era meu pior inimigo. Era comigo mesma a maior briga e ainda mais numa situação de fragilidade tão profunda em que vivo nos últimos meses, esse inimigo estava mais do que potencializado, estava latente, pulsante. Claro que o físico também conta. Eu nunca fui de praticar esportes, nunca fui grande fã de andar de bicicleta e nunca fui do estilo acampar/dormir em qualquer lugar/passar perrengue. A ideia de férias e de viagem para mim no máximo flertava com o mochilão e a hospedagem coletiva em hostel, andar de ônibus e a pé e pular uma ou outra refeição. Foi preciso, então, quebrar uma série de paradigmas que eu carregava para realizar essa viagem, ao lado de uma pessoa 10 anos mais velha que eu e basicamente expert em ser ponto fora da curva nesse sentido. 

Bem, nem preciso falar o quão conflituosa foi essa jornada nesse sentido. Conviver com uma pessoa 24 horas por dia, no cotidiano da vida, onde cada um tem suas tarefas e atividades pessoais, já é um super desafio. Conviver com uma pessoa com tantas diferenças com você, de criação, de concepção de mundo, de existência... E, por fim, conviver em situações de extremo, de desafio e fora da zona de conforto, longe por centenas de quilometros das pessoas "seguras" e em territórios desconhecidos é mais desafiante ainda, e se com certeza a presença e apoio do meu companheiro foram indispensáveis a mim nessa jornada, também enfrentei diversos sofrimentos no que dizia respeito a compreender e conviver com um Outro a quem se quer e se quer bem. A viagem, nesse sentido, não foi só uma "provação" a mim mesma do que eu podia ou não fazer;. uma experimentação dos meus limites e desconstrução de visões de mundo, como também foi uma comprovação de que este relacionamento afetivo, com esta pessoa que construiu a viagem comigo, iria perdurar ou não. Bem, isso é uma outra parte da história. Acho que o mais rico de tudo foi, ao final da viagem, no último dia, coroado também por uma maravilhosa lua cheia vista já em território urbano brasileiro (Porto Alegre), perceber que não só eu fui capaz de fazer tudo que fiz, como pude construir um repertório incrível: cultural, simbólico, político, humano e físico. Eu fui capaz de, mesmo sendo sedentária e não tendo praticado atividade fisica no ultimo ano, pedalar mais de 1000 km por diferentes trechos: sol a pino, calor escaldante, chuva e frio, vento contra, subida perrengue, estradas ruins, corpo pesado, dor no joelho, dor nas coxas, dor na mão, infecção de urina e consegui chegar: nos destinos intermediários e no destino final. 

Quando andávamos de bicicleta nos trechos de estrada (rutas) que ligavam uma cidade a outra, em geral íamos sempre muito concentrados, um atrás do outro em fileiras. Essa formação te possibilita ter um momento só entre você e a bicicleta. A cabeça voa, e um monte de pensamento diferente aparecia. Nas horas de exaustão era comum que os pensamentos ficassem amargos, ruins: eu não aguento isso, eu não quero mais, eu não sou obrigada. Eu sentia raiva, de mim mesma por ter escolhido estar ali, do meu companheiro por ser incompreensível sobre os meus limites, da estrada, do tempo que não passa... E, então, de repente, procurando no fundo da própria existência os sentidos complementares daquilo, surgem os momentos em que você passa a estimular a si mesmo, seja motivado por algo que viu durante o percurso, seja motivado pelo amor próprio - que todos nós temos, acredite - de que aquela pedalada, aquele trecho não deveriam ser dolorosos: sim, eu estou aqui, e sim eu estou fazendo isso e eu vou conseguir. De repente, a relação estabelecida ali mudava: de si consigo mesmo, de si com a bicicleta e com o caminho, com a bicicleta o caminho e o tempo, com as pessoas que estão na sua frente ou atrás de você. 

A viagem de bicicleta, apesar de demandar a atenção da direção como qualquer outro veículo de transporte, me permitia, a mim e ao meu corpo, o contato direto com aquele caminho que eu estava percorrendo e vivendo. Em muitos momentos vi diversas coisas pela estrada que me chamavam atenção, algumas despertavam o desejo de parar, outras eram mais passageiras: flores, arvores e vegetações; animais vivos e mortos. construções feitas por seres humanos; fenômenos meteorológicos; coisas malucas que acontecem e que ninguém ao redor vê. Diante dessas imagens todas, as vezes eu sentia uma vontade profunda de dividir a experiência, tentava chamar a pessoa mais próxima e dizer: você viu aquilo? Em outros momentos, o mais gostoso era guardar aquela visão só para mim mesma: será que mais alguém viu? Eu espero que não. Não sei se isso seria um pequeno ato de egoísmo, ou se é mesmo daquelas coisas que quando presenciamos, em segredo, parecem nos transformar em alguém diferente por ter vivido aquele. Um ar de autenticidade. 

Em suma, o tempo é outro. Eu tenho um amigo (ou não sei bem o que somos/fomos) que me dizia que a bicicleta dele era sua melhor amiga e que ele gostava muito de pedalar, pois essa forma de se locomover lhe possibilitava uma outra apreensão do mundo ao seu redor. Ele percorria longas distâncias cotidianas com a bike, o que para mim era uma atividade árdua quase sem sentido. Foi nessa viagem que consegui entender o que ele queria dizer. A bicicleta é seu veículo e, claro, você precisa que ela funcione bem. Além disso, no entanto, o combustível da bicicleta é aquele que a pedala o que pode ser libertador ou assustador - ou um pouco de cada juntos. Quando eu fraquejava e meu ritmo de pedalar caia, meu movimento se tornava mais lento e o trajeto mais difícil. Isso, por sua vez, aumentava uma percepção de dor e sofrimento do caminho, que se tornava mais tortuoso, o tempo mais lento e o chegar mais impossível. Ao distanciar-me do destino, a percepção do caminho que deveria percorrer até o objetivo final também se modificava, transformando-se o ato de pedalar num sacrifício de sofrimento. Quando, em contrapartida, eu me propunha desfrutar do trajeto, do entremeios (aquele momento todo entre a partida de um lugar e a chegada em outro), quando sentia o vento batendo na cara; quando bebia da água (as vezes morna) e permitia que ela escorresse pela minha boca e minha roupa, me refrescando; quando até mesmo o aquecer do sol, as vezes tolerante as vezes massacrante, era experimentado como uma troca... Esses momentos em que eu olhava para o lado e não via nada que não fosse mar, areia, grama e árvores; ou olhava adiante e via meu companheiro la na frente, um ponto, seguindo... As vezes em que me permiti deixar o caminho, o relevo, a temperatura, a umidade, a luz demarcarem o meu ritmo; as vezes em que cedi ao apelo do corpo e parei o pedal, me jogando em qualquer grama ou em qualquer ponto de ônibus para respirar um pouco, comer uma cenoura crua ou uma siruela (ameixa doce que encontramos na Argentina e Uruguai) ou até mesmo uma cerveja ou alfajor... Essas vezes todas me possibilitaram viver o que uma vez ouvi meu colega dizer que vivia: o outro ritmo de tempo que a bicicleta nos permite viver. A vulnerabilidade da pista e dos contratempos onde está colocado o corpo (e a mente) a percepção de que você depende em grande medida de você - e desse meio de transporte que se torna parte de você. 

Tive medo de cair, derrubada por mim ou por algum outro carro maior, mais imponente. Acho que, em certo sentido, algumas vezes caí. Pensei que seria impossível continuar, considerando abrir mão da experiência. Tive sorte de, em todas elas, alguém querer puxar ou segurar minha mão. Nessas vezes, em que o amargor dominava meu peito e aquele monstro, tão relatado, me puxava para dentro de mim me despencando, eu era uma pessoa insuportável. Para mim mesma, para os que estavam ao meu redor. Para o meu companheiro. Um teste de amor e paciência. De empatia. Um teste dificílimo. Vivemos juntos (eu e ele, eu ele e os amigos) momentos de exaustão, de enfrentar adversidades, de muita convivência, o que inevitavelmente trará a tona os defeitos do ser e da criação, enfim. O quanto uma viagem dessas exige que se respire fundo, principalmente no que diz respeito às emoções contrariadas entre seres humanos diferentes... Ah, a diferença! Que os diferentes mundos caibam num só mundo, e que seja possível transitar por todos eles acrescentando algo e recebendo também... Essa utopia, numa viagem de bicicleta, é o maior combustível. Se alcança ela, em alguns momentos em que você vivencia uma situação absurdamente humana, solidária, amorosa; e se perde naqueles momentos onde prevalece a raiva, a irracionalidade, o cansaço, a fome. O quanto alguns sentimentos e estados, como a fome, produzem em nós os comportamentos mais ofensivos, grosseiros. As piores brigas e desentendimentos que tivemos eram movidos pela fome. 

Pedalamos por horas, alguns dias. Em estradas vazias, quentes ou chuvosas e vento. Muito vento. Outros dias não pedalamos nada, a não ser pelas ruas de alguma cidade em que parávamos. As vezes passávamos horas sem comer nada, mal bebendo água. E pedalando. Esquecíamos que a energia que gastávamos era preciso ser reposta. A biologia pura. As vezes ficávamos sem dormir bem por dias, num colchão furado no chão, numa rede, num banco de ônibus. As vezes ficávamos sem banho, sem os momentos de higiene, acumulando suor, chulé e coceiras e alergias. Tudo, claro, dentro das proporções reais dessa viagem. Essas situações quebraram meus padrões, pequeno-burgueses, em muitos sentidos. Esse "free-style", essa forma de fazer uma viagem cujo objetivo não é consumir os lugares através da compra de lembrancinhas e outras coisas mais - mas sim perceber o espaço, entendê-lo. Ter que se dispôr a se comunicar com outras pessoas, pela troca e pela solidariedade que isso gera - e da qual fomos dependentes. Fomos acolhidos em casas de pessoas que não conhecíamos mais de uma vez; bebemos cerveja junto com donos de mercearias que nos presentearam com comida e mais cerveja; fomos acolhidos em quintais e ganhamos banhos e banheiros. Eu, que sou uma fã assídua de usar banheiros (para número 1 e 2) perdi a conta de quantas vezes achei que faria xixi na calça e precisei fazer xixi ou cocô na rua, no mato - esquecendo o pudor ao qual nos submetemos. Experimentar essas situações foi absolutamente enriquecedor.

Conheci inúmeros lugares. Cidades, praias, monumentos, prédios, bares, restaurantes, kioskos ou almacens, supermercados, fiambrerias, baños, campings, árvores. Pessoas, muitas e muitas pessoas. Cruzei com pessoas que estavam vivendo seus cotidianos em cidades em que eu nunca havia estado, vivendo uma outra relação com aquele mesmo espaço - a relação de até certo ponto turista.  Quantos sentimentos intensos que senti: de raiva, de gratidão, de afeto, de carinho, de maravilhamento, de medo, de tristeza, de decepção, de angústia. Quando conhecemos Vivi e Santiago, que nos acolheram, num dos lugares mais ostentadores que eu já fui e que tive o horror de conhecer. Quando percebi como aquele menininho de dente separado estava olhando para o alfajor que estávamos comendo e como (COMO!) ele explodiu em felicidade quando lhe dei o pedaço que estava na minha mão. Quando vimos pessoas dormindo em barracos, cuspidos para fora do centro gourmet da cidade, às margens de um rio de esgoto. As vezes em que conseguíamos nos fazer entender e entender o que diziam numa grande conversa ou as vezes em que a comunicação era impossível e tomávamos a dimensão de como o idioma é algo cultural e fundamental para a compreensão, hoje, entre os indivíduos. Quando, em Merlo, fomos recebidos por um incrível casal artista, que nos acolheu, cozinhou e presenteou, e de quem ouvi (Amália) que por mais difícil que sejam os homens, nas relações afetivas, eles também são responsáveis por ressaltar em nós o nosso melhor, e sentir o acolhimento da comemoração quando ela disse: você passou por tudo isso e está aqui, agora. Desfrute. Grande presente esse. 

A experiência culinária, de quando estávamos pedalando por horas e resolvíamos parar para comer: pão, queijo, presunto (jamón), tomate, coca-cola, vinho, cerveja, água, alfajor, cenoura, milanesa, pure de papas ou papas fritas, as vezes (muito raramente) um arroz, chocolate, cereja (amadas cerejas doces que a Argentina me presenteou!), pizza, morcilla (a temida linguiça de sangue - deliciosa porém tão forte que arrebenta intestinos!), doce de leite, água com gás, da falta de temperos (Uruguai) à saudade até do feijão cuja prática alimentar não é da minha. A experiência gastronômica pra mim sempre é uma das melhores formas de conhecer um lugar, uma cultura. Tive experiências, inclusive, que me mostraram diferentes formas de se alimentar, reaprendendo a gostar de coisas que não gostava - por puro comodismo ou frescura, alimentos que me salvaram, mataram a fome, alimentaram, nutriram. 

Além dos alimentos, nutria também a viagem as coisas desconhecidas: como seria a próxima cidade, quando seria a próxima vez que tomaríamos banho, o que comeríamos, quanto de dinheiro nos sobraria, onde dormiríamos (e como faríamos para dormir), quem conheceríamos. O medo de não conseguir subir as bicicletas no ônibus - e descobrir que as bicicletas podem incomodar mais do que um dia eu imaginaria, motoristas de carros furiosos, pedestres, donos de estabelecimentos, donos de portos, exércitos, engenheiros, arquitetos, artistas, motoristas de ônibus. Todas as incógnitas que envolviam os lugares que visitaríamos ou mesmo onde/como chegar a qual lugar? Porque as vezes saíamos sem destino certo, em grande parte do tempo consultando mapas de papel, já quase tão obsoletos na era do 4g e do GPS (que as vezes nos abandonam...). Os céus que vimos, os cheiros que sentimos. Os frios que passamos. Os calores. O quanto queimou nossa pele, o quanto vomitamos. Os banhos que tomamos. As cores que vimos. 

A viagem de bicicleta que fiz esse ano, passando por Uruguai e Argentina e voltando ao Brasil me transformou. Prometi a mim mesma que escreveria todos os dias, comprei um caderninho só para isso, um diário de campo. Mas o tempo todo aquela experiência era tão visceral, exigia? demandava que eu estivesse 100% do tempo ali presente ou, quando me proporcionava espaços de ócio estes se transformavam nos momentos de descanso, indispensáveis a uma viagem dessas. O fazer nada, o relaxar. O quanto estar num país diferente, com costumes e idioma diferentes, demanda de nós: intelectual, fisico, psicológico, e como ficamos cansados e, ao mesmo tempo, vamos aprendendo os jeitos, as formas, mergulhando naquilo, se propondo a ... E as vezes, de saco cheio, se fechando num casulo impenetrável, porque ninguém entende aquilo que você está sentindo. E você se sente absolutamente sozinho. As vezes, eu sentia uma saudade muito doída da minha mãe, que tem sido minha principal companheira nesse caminho tortuoso que venho caminhando, e então eu precisava falar com ela. Não consegui me alienar (ou desalienar?) por completo da internet, além disso sentia vontade de compartilhar alguns momentos com pessoas queridas que eu sabia, embora não tivesse como conversar cotidianamente, estavam acompanhando essa minha experiência, me desejando bem. E em alguns momentos eu sentia de forma muito profunda a distância que estava dessas pessoas, e o quanto isso significava que eu estava sozinha. Isso me assustava, me dava um frio na barriga desafiador, quando eu imaginava como seria se eu resolvesse ficar ali e morar ali: o que eu faria, onde trabalharia, como encararia essa experiência. As vezes a saudade muito grande, e nesses dias eu também chorava. E as vezes o medo, ao invés de dar essa coisa boa, do desconhecido, apertava forte a garganta e paralisava: o que eu vou fazer? Verdade seja dita, viagens assim, longas e sem luxos, apresentam para nós diversos momentos limítrofes, onde podemos muito bem surtar e perder o controle, "enlouquecer" ou aprender a manter a calma e se manter nos eixos. 

Esse tipo de viagem, longa, orgânica, visceral, onde sua casa é sua bicicleta e a rua e você mesmo, em que você está com outra(s) pessoa(s) nos ensina, de forma cruel, a lidar com outras pessoas: outros mundos, outras ideias. Nos ensina que as vezes o problema de comunicação está em nós mesmos, e que temos que nos esforçar mais do que pensávamos estar nos esforçando para entender porque alguém age como agiu ou fala o que falou. Precisamos ser tolerantes, com os outros e com nós mesmos, e aprender a respirar fundo, refletindo e analisando uma situação de conflito, para que ela não se torne um confronto destruidor e sem motivos. Os bons momentos, então, são sentidos de formas muito mais profundas, e quando a sintonia está funcionando as experiências são maravilhosas. Quando chegamos em Colônia de Sacramento, última cidade uruguaia e ponto final da primeira parte do roteiro, a felicidade que senti ao ver o finalzinho do pôr do sol no rio da prata, depois de ter me refrescado nele durante a tarde, foi tão profunda e verdadeira - inclusive porque naquele mesmo dia, mais cedo, havia tido um dos piores conflitos da viagem e ponto baixo - que não consegui conter as lágrimas, chorando de felicidade. Olhei pro meu companheiro que me abraçou e também chorando disse que me amava. Suspiramos, eu retribuí o carinho. Naquele momento, dividindo a conquista de chegar, sofridamente, no destino final, éramos seres completamente plenos e que se complementavam, pois dividimos aquela experiência juntos. Os últimos 40 km pedalados, mais ou menos, envolveram uma intensa parceria, e o dia ficou marcado por aquela experiência boa, sintetizado num vinho, queijos, azeitona, falso risoto e uns conhecidos novos que vieram nos admirar pela viagem de bicicleta. Aliás, ganhamos muitos fãs e curiosos durante todo o trajeto. As bicicletas, as vezes empecilhos e pesos a serem carregados, em geral eram pretexto para ótimas conversas, alguma desconfiança e muita admiração. Sinto que inspiramos muitas pessoas, principalmente quando elas se aproximavam achando que ambos, eu e ele, tinhamos a mesma experiência em anda de bici. Quando eu dizia que era minha primeira viagem e que antes eu sequer era uma usuária, nem tendo bicicleta própria, as pessoas se surpreendiam, e isso me surpreendia também, me fazendo sentir uma pontada de orgulho por mim mesma, o que é maravilhoso. A verdade é que, andando de bicicleta como fizemos América Latina dentro e fora me fez sentir tudo muito mais á flor da pele - e amar mais a experiência de ir conhecendo essa coisa tão nós - cheia de contradições, de beleza e feiura, de solidariedade e egoísmo, de verde, azul, de cheiros. 

Os alongamentos vem depois, porque experiência mastigada sai um pouco melhor escrita, e porque um relato tão intenso e profundo assim precisa de uma respirada. Um fôlego. Se eu pudesse, e eu vou poder, eu faria tudo de novo: um lugar diferente, uma experiência diferente, porém da mesma forma, em cima de duas rodas, no "pêlo". E ver o que vai dando, porque eu quero conhecer o mundo assim. 



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