Encontre amor revolucionário em um mundo de profunda alienação

Por: Helin Dirik em 02/06/2018
Tradução: Eu 
Texto original em inglês: http://theregion.org/article/13568-finding-revolutionary-love-world-of-profound-alienation

Amor. Quantos poemas foram escritos, quantas peças de arte foram criadas, quanta tinta foi gasta sobre o amor? É por uma razão que a humanidade desde sempre tenta descobrir os segredos e mágicas por trás do amor. Ao mesmo tempo, o sentido e a substância do amor de alguma forma permanece um mistério. Hoje, chegamos a muitas definições diferentes de amor. Algumas vezes se diz que o amor pode salvar todos nós, outras nos dizem que o amor é cego. Algumas vezes o amor machuca, outras ele significa cura. Mas que tipo de amor nós estamos falando e sobre quais condições o amor é verdadeiro e livre?

Quando falamos e pensamos sobre o amor, precisamos considerar as condições sociais e políticas de nosso tempo. Numa sociedade moldada pelo capitalismo, egoísmo, sexismo e (auto)alienação, o significado e a substância do amor tornam-se mais e mais nebulosas e incompreensível. Nós quase não podemos mais nos agarrar e experimentar o amor. O que significa amar, na absurda bagunça onde nos encontramos trancados entre o anonimato, o consumo excessivo, a exploração e a guerra? É frequente, e talvez compreensível, que nosso próprio conceito de amor seja desenvolvido como um escape da vida social e sirva para construir uma pequena e segura bolha de amor em meio a uma sociedade egoísta e violenta. Mas esse tipo de abordagem do amor irá cedo ou tarde nos levar à frustração e decepção.

Não somente relações românticas, mas também relações entre pais e filhos, entre seres humanos e natureza e indivíduo e sociedade deve ser analisado e revolucionados no sentido de nos libertar das correntes do sistema capitalista e tornar possível o amor verdadeiro. Quando a maior parte da sociedade fala sobre amor, geralmente querem dizer um relacionamento monogâmico e heterossexual entre uma mulher e um homem. E ainda assim, mais frequentemente do que não, esses dois são os que estão mais distantes do amor. O sexismo e a violência sutis, travestidos de amor, fazer parte da realidade da maioria dos chamados “relacionamentos românticos”. A mídia e literatura predominantes frequentemente romantizam e idealizam a perseguição, assédio, violência sexual e papéis de gênero. Por isso o amor precisa ser analisado considerando os mecanismos do sexismo, que levam o amor pra longe de todos nós.

A rivalidade e o isolamento das mulheres é uma das mais antigas e fortes ferramentas do patriarcado. A luta contra o sexismo requer uma luta contra a cultura do constrangimento das mulheres, que se interpõe no cainho de um movimento feminista construído em solidariedade entre as mulheres. Nesse contexto, as mídias sociais vem realizando um papel importante nos últimos anos. Muitas autoras feministas, jornalistas, bloggers e ativistas tem se tornada capazes de influencias no desenvolvimento de uma consciência feminista. A variedade de questões discutidas, que também incluem as perspectivas queer, anti-colonial, anti-racista e anti-capitalista no feminismo, se tornaram mais viáveis através das mídias sociais e nos proveu de uma grande oportunidade de nos organizar globalmente. Ao invés de intensificar o foco excessivo na beleza física e no consumo, o potencial das mídias sociais pode ser direcionado para o empoderamento e solidariedade, no sentido de fazer amor revolucionar emergir e crescer.

Mas acima de tudo, é o homem patriarcal quem tem que reaprender o amor e experimentar uma revolução subjetiva. As normas sociais que foram impostas ao homem devem ser rejeitadas e combatidas. Para amar verdadeiramente e respeitar alguém, não importa de qual forma, o homem patriarcal deve ser destruído. É claro que isso não significa que os homens devem morrer, mas sim que o sexismo, a hegemonia e personalidade masculinista/machista devem ser combatidas. Para amar num sentido profundo, o desejo pelo controle e por estar no poder deve ser abandonado para sempre. 

As tradições e mentalidades patriarcais dominantes devem ser quebradas. Relacionamentos românticos, que frequentemente estão distantes do amor, são na maioria das vezes baseados nos papéis de gênero, lutas por poder e violência de todo tipo. Casamento é comumente visto como um evento na vida que nos traz salvação e amor. No entanto, o casamento é um dos mais importantes meios de opressão contra as mulheres,  sociedade e juventude. Devido à romantização do casamento, muitas pessoas não conhecem as raízes e natureza patriarcal dessa instituição. Muitos de nós não estamos cientes o suficiente do fato de que o casamento é uma ferramenta do patriarcado e do capitalismo que força as mulheres a interpretar seus papéis como reprodutoras do lar, uma forma de trabalho não pago. Não importa quão alternativo e democrático o casamento possa ser organizado, ainda assim funciona como uma instituição do sistema patriarcal, embora o amor nunca possa ser institucionalizado, especialmente não nos estados de capitalismo moderno. Mas também deixando isso de lado, nós podemos ver violencia em muitos relacionamentos e casamentos. A socialização sexista das pessoas frequentemente leva os homens a acreditarem que é normal ser violento e abusivo, e por outro lado leva as mulheres a pensarem que elas devem suportar às violências sexual, física e verbal e ao abuso.

Outra realidade que vem moldando a sociedade industrializada por mais de um século agora é o crescimento anonimato e alienação entre as pessoas. As peças de arte e poemas fascinantes do período do expressionismo na Alemanha no início do século 20 nos mostro uma geração inteira de artistas e poetas que se sentiam ameaçados pela vida nas grandes cidades, que são moldadas pela auto-desintegração, isolamento, medo a sensação de que o mundo vai acabar. Hoje em dia, a vida anônima nas grandes cidades é uma realidade para grande parte de nós. Ainda ontem um camarada disse a mim: “No mundo capitalista você pode morrer em sua casa e ninguém notará por meses”. Há tanta verdade nessas palavras. Com frequência nós estamos confortáveis com a experiência do isolamento e da solidão, porque ninguém vai intervir em sua vida ou ficar no seu caminho, ninguém vai cobrar nada de você Você pode até mesmo morrer na sua casa e ninguém vai se importar. Mas o vazio e a falta de sentido irão cedo ou tarde tomar lugar. Perde-se a visão do significado de sua própria existência e vida. E quanto mais alguém se distancia da sociedade e da vida social, mais infeliz fica e menos sentido a vida e a existência de tudo terão.

Amor, entendido como uma corajosa e livre energia de acolhimento e solidariedade, dá sentido. Aqueles que conhecem o amor, aqueles que entram em contato com a mágica do amor, não mais procurarão por nenhum sentido mais elevado da vida. Não é no dinheiro, na saúde e no lucro que achamos vida e liberdade, mas no amor. Deve ser por essa razão que tantas pessoas depositam sua esperança em trazer outra pessoa para seu proprio isolamento. Mas não importa se há uma ou duas pessoas envolvidas, isolamento será isolamento. O amor não pode prosperar em isolamento. Não estar conectado com a vida coletiva e comunitária nos levará à frustração e insatisfação. Isso pode ser observado quando olhamos para relações entre pais e crianças. Quando os pais continuam tentando manter a possessão de seus filhos mantendo-os distantes da sociedade, é provável que a criança irá ter medos e manter distante essa sociedade enquanto não se torna capaz de desenvolver a própria autonomia. Entretanto, uma criança que cresce em uma comunidade amorosa e solidária aprenderá sobre o valor do amor, vida coletiva e solidariedade.

Quando as pessoas se amam, elas não devem se ver apenas como uma fuga para sua solidão.  Elas não devem consumir umas as outras, porque o amor não é consumo. Nós estamos acostumados a consumir, admitamos ou não. O capitalismo nos treinou para calcular tudo, e é por isso que nós começamos a cobrar e calcular quando se trata de amizades e amor. Quando alguém nos desaponta ou machuca, ou não corresponde às nossas expectativas, nós tendemos a tratar essa pessoa como um desperdício. Nós ficamos bravos com nós mesmos por ter “investido” tempo, confiança e amor, como se nosso amor tivesse algum tipo de valor de mercado ou como se nosso amor fosse limitado. Mas amor não significa encontrar uma possessão para dominar, maquiar e vestir como gostamos e jogar fora assim que não nos agradar mais. Amor significa lutar, que não é só lutar contra mas lutar por alguém em primeiro lugar. O amor tem que lutar para se realizar. E isso não só se aplica às relações românticas mas a todos os tipos de relações. Nós tendemos a fugir assim que algo não funciona do jeito que nós queremos. O anonimato e a opção de nos isolar nos da o conforto de recuar e escapar dos problemas. Fazendo isso tendemos a pensar muito mais em nós mesmos, e é por isso que nos colocamos fora do “perigo social” em sermos criticados. Porque depois de tudo, há a sólida e segura bolha para a qual podemos voltar pra dentro. Esses tipos de medo frequentemente nos mantém longe do verdadeiro, profundo amor.

Mas embora seja muito difícil superar o isolamento e alienação sob o capitalismo e 5000 anos de mentalidade patriarcal, é possível abandonar velhos hábitos, comportamentos e crenças, renovar a si mesmo e revolucionar completamente o coração. A juventude é, como escreveu o ativista preso do Movimento Pantera Negras Mumia Abu-Jamal, a portadora natural da energia revolucionária, capazes de mudarem a si mesmos diante de forças avassaladoras, usando seus corpos, fervilhando de transformações revolucionárias, para mudar seus ambientes e promover mudanças sociais. Se a juventude cumpre essa radical mudança, ela impulsionará o mundo inteiro e dará nascimento a uma nova sociedade construída sobre o amor verdadeiramente revolucionário. Para se realizar o amor entre duas pessoas, não é apenas essencial que cada uma delas passe por uma mudança. Uma rebelião coletiva também tem que emergir. As vezes isso também pode querer dizer lutar um contra o outro. Lutar um contra o outro não significa odiar um ao outro, mas lutar contra o sexismo internalizado através da (auto)-crítica. As condições que tornam o amor quase impossível não devem ser aceitas. 

Nosso camarada Mehmet Aksoy (Fîraz Dag) deixou para trás algumas palavras poderosas: “não se renda ao capitalismo, não se renda ao materialismo, aos relacionamentos feios, à falta de amor, ao desrespeito, à degeneração e à desigualdade. Não se renda”. Alguém que ama verdadeiramente deve lutar contra todos esses mecanismos que estão no caminho do amor. Desbloqueá-los e rebelar-se contra eles é uma de nossas responsabilidades como jovens revolucionários. Os ideais de uma sociedade livre devem ser procurados e realizados coletivamente. Tudo o mais não pode ser aceito se quisermos dar um significado ao amor.

O amor é semelhante a uma revolução. Ambos estão sujeitos a equívocos. Assim como uma revolução nunca deve acabar num certo ponto, o amor não deve acabar num certo ponto também. Muitas pessoas pensam que uma revolução é um incidente, Apenas um momento onde tudo muda. Mas a história e também os movimentos revolucionários atuais nos ensina que a revolução é mais um processo do que um incidente. Uma revolução, como podemos ver em Rojava (Norte da Síria), deve ser um processo permanente que inclui todas as partes da vida e da sociedade, para que os ideais pelos quais se lutou continuem vividos e significativos. O mesmo se aplica ao amor. O amor não é um incidente, um acontecimento. Quando se fala do amor romântico, por exemplo, o amor não significa se apaixonar e depois repousar sobre esse “evento”. O amor não é estático. Amor envolve atividade, é energia fluida. Amor significa ser capaz de enfrentar novas situações e desafios, para que o amor dê a força necessária. Amar verdadeiramente significa apoio mútuo e respeito, significa ser corajoso e honesto, significa levar amor ao mundo e também nutrir e amar a comunidade ao mesmo tempo. Como o filósofo e psicanalista Erich Fromm colocou: “Se eu amo verdadeiramente uma pessoa eu amo todas as pessoas, eu amo o mundo, eu amo a vida. Se eu consigo dizer a alguém ‘eu amo você’, eu devo ser capaz de dizer ‘eu amo em você todo mundo, eu amo o mundo através de você, eu amo em você também a mim mesmo”.


Estamos longe de ter dito tudo que há para dizer sobre o amor. Embora, para começar, devamos entender que amar requer consciência, moral e vontade de mudar a si mesmo e à sociedade. Numa sociedade que é caracterizada pelo egoísmo, rivalidade e medo, o amor não pode florescer. Aquele que luta pelo amor não conhece mais medos e obtém a força necessária para pavimentar o caminho para uma sociedade socialista e livre. O amor é uma força mais forte do que a raiva, medo ou ódio. Construir algo pode ser mais difícil, mas é mais forte do que destruir algo. E essa pode ser uma das coisas mais bonitas que podemos aprender com o movimento curdo. Um slogan do movimento curdo diz: Se você quer viver, viva em liberdade! Da mesma forma que nós jovens, feministas, filósofas, artistas e revolucionárias podemos dizer: Se você quer amar, ame em liberdade!      
                    

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