abismo

Tinha que tentar ser direta. Nem tanto. Um pouco só, vai.
Deliciosamente estamos chegando no fim de mais um ano (meu lado previsível me força a adotar o clichê pra ter assunto). Não que eu não tenha assunto, a minha cabeça tem fervilhado nas últimas três semanas, fervilhado de assuntos, notícias, acontecimentos, problemas, alegrias e etc.
Fim de ano é sempre a mesma coisa. É essa semana cheia de dias intermináveis e aquela vontade de que esses oito dias passem muito rápido porque já chega de ano velho. Sem saber que são dias, de qualquer forma, mesmo que façam parte de um ano que já está desgastado, e que sendo dias, as coisas ainda podem acontecer. E eles, no fundo, estão voando.
O sabor que as coisas antigas tem, pra mim, é sempre um sabor de coisas que podem ser colocadas de lado por um momento, porque na nossa frente existe a idéia de possuir algo que seja completamente novo. Tem cheiro, cor, textura e sabor de coisa nova. E é, sempre com grande entusiasmo, que a gente se agarra a milhões de expectativas sobre isso, porque sendo novo também traz a sensação de que tudo pode acontecer.
Enquanto isso, no entanto, os dias antigos insistem em continuar a se arrastar, quase como querendo nos dizer que não podemos esquecer deles, porque em um determinado momento da nossa vida, a gente vai se recordar de coisas antigas e vai sentir desesperadamente a vontade de poder voltar no tempo e revivê-las mais uma vez, duas, três... é como trocar o presente certo, pela incerteza do futuro que parece muito mais alegre e colorido. É como se com a chegada de coisas novas, todos os nossos problemas pudessem evaporar, e as dores do mundo simplesmente seriam curadas.
É como se a gente pudesse ser imortal. Nada, nesses últimos dias velhos, vai poder nos atingir. Vamos nos embriagar, sair por ai correndo como loucos. Vamos subir em sofás, tomar chuva durante uma tempestade de raios, pular de pedras altas, rolar na grama, tratar nossos amigos mal, porque amanhã vamos vê-los de novo e vamos poder nos desculpar. Seremos indestrutíveis, irredutíveis, rebeldes sem causa. Tudo pelo prazer de sorrir alguns momentos, enquanto o tempo não vai dar nenhuma trégua para as nossas ações.
A nossa liberdade, totalmente prazerosa quando nos parece sem limites, faz com que a gente se engane todos os dias nessa sensação. O tempo é nosso escravo, os dias podem ser descartados facilmente, o que eu faço ou deixo de fazer não vai mudar em nada a vida de outras pessoas. E vamos continuar nos trancando na mente de uma forma inalcançável, porque ninguém é bom o suficiente para acabar com a gente.
Ai, de repente, a realidade chama. Não da forma que pensávamos ser ideal, mas chama. E tudo o que planejamos, todas as nossas férias de ano novo, toda nossa vida nova, todas as coisas que gostaríamos de ver, todos os problemas que possivelmente teriam solução e todas as pessoas que estariam entre nós... Tudo parece simplesmente minúsculo, porque o mundo mostra pra gente que esses dias, que caem no esquecimento de serem eternizados, esses dias são dias exatamente como os outros e que por mais velhos e indesejáveis que eles sejam, nós podemos ficar esquecidos neles pra sempre.
Em memória.